Dia Internacional da Mulher

8 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL DA MULHER


E nada melhor do que pôr um homem a falar sobre as mulheres.  Crónica do escritor Miguel Esteves Cardoso, retirada do seu livro "A Causa das Coisas", que o leitor poderá requisitar na Biblioteca Municipal.


 Fadas

"A mulher portuguesa não é só Fada do Lar, como Bruxa do Ar, Senhora do Mar e Menina Absolutamente Impossível de Domar. É melhor que o Homem Português, não por ser mulher, mas por ser mais portuguesa. Trabalha mais, sabe mais, quer mais e pode mais. Faz tudo mais à exceção de poucas atividade de discutível contribuição nacional (beber e comer de mais, ir ao futebol, etc). Portugal (i.e., os homens portugueses) pagam-lhes este serviço, pagando-lhes menos, ou até nada.

Paula Rego, pintora
O pior defeito do homem português é achar-se melhor e mais capaz que a Mulher. A maior qualidade da Mulher Portuguesa é não ligar nada a essas crassas generalizações, sabendo perfeitamente que não é verdade. E eis a primeira grande diferença:
o Português liga muito à dicotomia Homem/Mulher; a Portuguesa não.
O Português diz "O Homem isto, enquanto a Mulher aquilo".  A Portuguesa diz "Depende".
A única distinção que faz a Mulher Portuguesa é dizer, regra geral, que gosta mais dos homens do que das mulheres. 
E, como gostos não se discutem, é essa a única generalização indiscutível.


A Mulher portuguesa é o oposto do que o Homem Português pensa. Também nesta frase se confirma a ideia de que o Homem pensa e a Mulher é, o Homem acha e a Mulher julga, o Homem racionaliza e a Mulher raciocina.
Joana Carneiro, maestrina
E mais: mesmo esta distinção básica é feita porque este artigo não foi escrito por uma mulher.
Porque é que aquilo que o Homem pensa que a Mulher é, é o oposto daquilo que a Mulher é, se cada Homem conhece de perto pelo menos uma Mulher?
Porque o Português, para mal dele, julga sempre que a Mulher "dele" é diferente de todas as outras mulheres ( um pouco como também acha, e faz gala disso, que ele é igual a todos os homens). A Mulher dele é selvagem mas as outras são mansas. A Mulher dele é fogo, ciúme, argúcia, domínio, cuidado. As outras são todas mais tépidas, parvas, galinhas, boazinhas, compreensíveis.


Mariza, fadista
Ora a Mulher Portuguesa é tudo menos "compreensiva". Ou por outra: compreende, compreende perfeitamente, mas não aceita.
Se perdoa é porque começa a menosprezar, a perder as ilusões e a paciência. 
Para ela, a reação mais violenta não é a raiva nem o ódio - é a indiferença. 
Se não se vinga não é por ser "boazinha" - é porque acha que não vale a pena.
A Mulher Portuguesa, sobretudo, atura o Homem. E o Homem, casca grossa, não compreende o vexame enorme que é ser aturado, juntamente com as crianças, o clima e os animais domésticos.
Aturar alguém é o mesmo que dizer "coitadinho, ele não passa disto...".
No fundo não é mais do que um ato de compaixão. A Mulher Portuguesa tem um bocado de pena dos Homens. E nisto, convenhamos, tem um bocado de razão.


O que safa o Homem, para além da pena, é a Mulher achar-lhe uma certa graça. A Mulher não pensa que este achar-graça é uma expressão superior da sua sensibilidade - pelo contrário, diverte-se com a ideia de ser oriundo de uma baixeza instintiva e pré-civilizacional, mas engraçada. Considera que aquilo que a leva a gostar de um Homem é uma fraqueza, um fenómeno puramente neuro-vegetativo ou para-simpático - enfim, pulsões alegres ou tristemente irresistíveis, sem qualquer valor.

Fátima Lopes, estilista
E chegamos a outra característica importante. É que a Mulher Portuguesa, se pudesse cingir-se ao domínio da sua inteligência e mais pura vontade, nunca se meteria com Homem nenhum.
Para quê? Se já sabe o que o Homem é?
Aliás, não fossem certas questões desprezíveis da Natureza, passa muito bem sem os homens.
No fundo encara-os como um fumador inveterado encara os cigarros: "Eu não devia, mas..." E, como assim é, e nada há a fazer, fuma-os alegremente com a atitude sã e filosófica do "Que se lixe".

Homens, em contrapartida, não podiam ser mais dependentes. Esta dependência, este ar desastrado e carente que nos está na cara, também vai fomentando alguma compaixão da parte das mulheres. A Mulher Portuguesa também atura o Homem porque acha que "ele sozinho, coitado; não se governava". O ditado "Quem manda na casa é ela, quem manda nela sou eu" é uma expressão da vacuidade do machismo português.

Eunice Muñoz, atriz
A Mulher governa realmente o que é preciso governar, enquanto o homem, por abstração ou inutilidade, se contenta com a aparência idiota de "mandar" nela.
Mas ninguém manda nela. Quando muito deixa que ele retenha a impressão de mandar.
Porque ele, coitado, liga muito a essas coisas. Porque ele vive atormentado pelo terror que seria os amigos verificarem que ele, na realidade, não só na rua como em casa não "manda" absolutamente nada.
"Mandar" é como "enviar" - é preciso ter algo para mandar e algo ao qual mandar. Esses algos são as mulheres que fazem.

O Homem é apenas alguém armado em carteiro. É o carteiro que está convencido que escreveu as cartas todas que diariamente entrega. A Mulher é a remetente e a destinatária que lhe alimenta essa ilusão, porque também não lhe faz diferença absolutamente nenhuma. Abre a porta de casa e diz "Muito obrigada". É quase uma questão de educação.


A imagem da "Mulher Portuguesa", que os homens portugueses fabricaram, é apenas uma imagem da mulher com a qual eles realmente seriam capazes de se sentirem superiores. Uma galinha. Que dizer de um homem que é domador de galinhas, porque os outros animais lhe metem medo?
Na realidade, a Mulher Portuguesa é uma leoa que, por força das circunstâncias, sabe imitar a voz das galinhas, porque o rugir dela mete medo ao parceiro. Quando perdem a paciência, ou se cansam, cuidado.
A Mulher Portuguesa zangada não é o "Agarrem-me senão eu mato-o" dos homens: agarra mesmo e mata mesmo.
Sara Moreira, atleta

Se a Padeira de Aljubarrota fosse padeiro, é provável que se pusesse antes a envenenar os pães e ir servi-los aos castelhanos, em vez de sair porta fora com a pá na mão".

Feliz Dia da Mulher!

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