Poesia sim...

Os Antigos

Os antigos invocavam as Musas. 
Nós invocamo-nos a nós mesmos. 
Não sei se as Musas apareciam — 
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. — 
Mas sei que nós não aparecemos. 
Quantas vezes me tenho debruçado 
Sobre o poço que me suponho 
E balido "Ah!" para ouvir um eco, 
E não tenho ouvido mais que o visto — 
O vago alvor escuro com que a água resplandece 
Lá na inutilidade do fundo... 
Nenhum eco para mim... 
Só vagamente uma cara, 
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro. 
E uma coisa quase invisível, 
Exceto como luminosamente vejo 
Lá no fundo... 
No silêncio e na luz falsa do fundo... 

Que Musa!... 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Lenda de Celorico de Basto : “Justiça popular...na Villa de Basto"

Livro da semana: "Um problema muito enorme"

Livro da semana: "Cinzas de Sabrina"