Poesia sim...

Os Vivos Ouvem PoucamenteOs vivos ouvem poucamente. As plantas, 
como o elemento aquático domina, 
são dadas à conversa. A menor brisa abala 
a urna de concórdia estremecida 
que, assim, sensível, se derrama 
e é solidão solícita. 
Os vivos não ouvem nada. 
Mas, havendo acedido a essa malícia 
de experiência cândida, 
os mortos deixam que o ouvido siga 
o fluvial diálogo das plantas 
umas com outras e todas com a brisa. 
Melhor ainda. Quando, nas noites cálidas, 
as plantas se sentem mais sozinhas, 
os mortos brincam à imitação das águas 
inventando palavras de consonâncias líquidas. 
E esse amoroso cuidado de palavras 
a urna de concórdia vegetal espevita 
até que, a horas altas, 
a noite, os mortos e as plantas 
caiam no sono duma luz solícita. 

Fernando Echevarría, in "Sobre os Mortos"

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