Lenda de Celorico de Basto : “Justiça popular...na Villa de Basto"
"Na sede da povoação da pequena Vila de Basto, moravam duas
irmãs, órfãs, padeiras de profissão e muito bonitas. A mais velha chamava-se
Guiomar, de trinta anos, já viúva de um carpinteiro. A mais nova chamava-se
Aldonça, não tinha mais de dezoito anos, ainda solteira e estava prometida a
Sancho Meleiro, um negociante de cereais e moço de bons costumes.
Acontece que o alcaide apaixonou-se pela irmã mais nova, a Aldonça, fazendo-lhe
permanentemente propostas indecorosas, mas sem nunca ter sido correspondido aos
seus desejos, pois esta jovem já tinha decidido casar com o Meleiro.
Decidido que estava o casamento, era necessário pagar o tributo que, segundo a
tradição local, há muito tinha substituído o antigo e já caduco direito
consuetudinário (usos e costumes) dos senhores da terra poderem “usufruir” as
noivas antes dos maridos…Efectivamente, o “direito da pernada”, que consistia
no privilégio da “prima noctis”, já tinha caído em desuso há muito tempo.
Quando os dois se dirigiram ao castelo para pagarem o tributo, o alcaide,
perante a beleza da rapariga, sentiu-se atraído, recusou o tributo pago daquela
forma, e exigiu pôr em prática direitos caídos em desuso. Indignada, a noiva
lançou-lhe aos pés o tributo e terá dito que só ao seu futuro marido
pertenceria.
Ao deparar-se com tal ofensa, o noivo envolve-se numa luta renhida com o
alcaide, onde nenhum quer o lugar de vencido. Meleiro não desarma e, não se
conformando com esta atitude, vai desferindo alguns golpes no seu rival. O
alcaide, sentindo as forças fraquejar, clama por socorro e é acudido por alguns
homens do castelo que entretanto, conseguem manietar o Meleiro. Então o alcaide
prende-o e manda cortar-lhe as orelhas, como se ele fosse um ladrão (castigo
que na Idade Média se dava aos ladrões).
Ao ver tudo isto, Aldonça fugiu do castelo e apesar de ter partido uma perna no
percurso, conseguiu chegar à vila e narrar o que se passava, pedindo que
libertassem o seu noivo.
Armaram-se homens e mulheres que, apressadamente, vencem a encosta do monte, em
direcção ao castelo, o povo todo amotinou-se, tocou a rebate e de toda esta
redondeza das Terras de Basto, chegaram multidões, invadiram o castelo, com
chuços e foices e ameaçam pegar fogo à torre. Então o alcaide, receando um mal
maior, e, possivelmente, irremediável, decide-se a indemnizar o Meleiro pela
desfiguração que lhe causara e a restitui-lo à liberdade.
O alcaide desistiu desta, mas ficou com os olhos na irmã mais velha, que se
chamava Guiomar, já era viúva, mas também muito bonita.
Começou então a assediar a Guiomar com pedidos, com alguma insistência, até que
uma manhã, o alcaide quando ia para a caça, cruzou-se na vila com esta mulher e
ter-lhe-á dito que, à noite, a procuraria em casa. Apesar de lhe ter dito que
era mulher honesta, tentou evitar qualquer espécie de represália. Ele, porém
não se deu por convencido e quase lhe impôs que no regresso, o esperasse para
combinarem melhor o encontro. Perante isto, Guiomar contou tudo ao seu futuro
cunhado, o Meleiro, que viu aqui o melhor momento para se vingar do alcaide,
tendo aconselhado a Guiomar a receber o alcaide em casa, onde tinha os fornos,
desde que vá desacompanhado e guarde o maior segredo.
Já de regresso dos montados, à tardinha, o alcaide parou junto à residência de
Guiomar e insistiu nos seus propósitos. Ela concordou, mostrando o seu melhor
agrado, pois tinha o plano todo combinado com o cunhado.
Logo que anoiteceu, os dois cunhados conseguem avistar, da janela de onde
espreitavam, dois vultos, e de imediato reconheceram o alcaide, que se fazia acompanhar
de um homem do castelo, aquele que por ordem do amo, cortara as orelhas ao
Meleiro.
O alcaide depois de bater à porta, entrou, enquanto o escudeiro aguardou pelo
seu amo no exterior da residência. Quando o alcaide, depois de recebido por
Guiomar com alguns sorrisos, dirigem-se para o interior da casa, mas claro, a
família estava escondida e quando o alcaide julgava que ia ter a Guiomar entre
os braços, o que sentiu foi a acha de armas a fender-lhe o crânio e… era uma
vez um alcaide!
Para não existir vestígio do crime, meteram-no no forno do
pão e o alcaide reduziu-se a cinzas.
A lenda acrescenta que o criado do alcaide, ao verificar que a demora já era
grande, decidiu bater à porta, para lembrar ao amo a conveniência do regresso
ao castelo.
Este, mal tinha atravessado a soleira da porta, apanhou com a mesma adaga que
vitimara o alcaide e também foi atirado ao forno.
Depois de consumado o drama, Meleiro foi feliz na companhia da sua mulher
Aldonça e Guiomar conseguia viver em paz.
Entretanto os dias iam passando e o alcaide não chegava ao castelo. Homens
armados percorrem toda a redondeza, por veredas e caminhos. Em vão… ninguém
vira o alcaide.
Como deixou de haver alcaide, D. Dinis decidiu entregar o castelo aos moradores
do lugar, pela prestação anual de duzentos e sessenta morabitinos velhos,
cabendo aos arrendatários o direito de nomear exactores para a respectiva
cobrança e impedir actos de violência.
Esta situação manteve-se, pelo menos, durante dez anos, pois, em 1294, era
investido na alcaidaria, D. Gonçalo Mendes."
Fonte: www.celoricodigital.pt/2008/02/lenda-justia-popular.html
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